Justiça do Trabalho recebeu mais de 4 milhões de casos em 2024 –desses, 3,60 milhões eram novas ações
O número de ações trabalhistas bateu recorde em 2024. A Justiça do Trabalho recebeu mais de 4 milhões de processos, o maior volume em 15 anos. Desse total, 3,6 milhões foram novas ações –um crescimento de 16,1% em relação a 2023.
A marca de novos processos –que exclui recursos e reiterações– não era vista desde 2017, quando foram ajuizadas 3,68 milhões de ações. Os dados são do TST (Tribunal Superior do Trabalho).
Especialistas ouvidos pelo Poder360 atribuem o avanço das ações à precarização das relações de trabalho e à falta de consenso entre decisões do STF (Supremo Tribunal Federal).
A judicialização cresceu de forma gradual até a aprovação da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467 de 2017). Após as mudanças, o número de ações caiu 20,45% de 2017 para 2018.
Apesar da queda, para a professora-doutora do DTB (Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social) da faculdade de direito da USP (Universidade de São Paulo) Julia Lenzi, não houve redução de conflitos. O que se deu foi “temor” com relação a possíveis condenações após as mudanças na CLT.
A reforma havia endurecido o acesso à Justiça do Trabalho, obrigando o trabalhador que perdesse a ação a pagar os custos do processo e os honorários do advogado da outra parte –mesmo se tivesse baixa renda. Isso desestimulou muitas pessoas a entrarem com ações.
De acordo com Lenzi, o que aconteceu foi “um certo resguardo no sentido de esperar como os tribunais iam interpretar aquelas alterações na regulação do trabalho”.
A professora avalia que essas mudanças na legislação trabalhista podem ter alimentado a judicialização ao enfraquecer sindicatos e favorecer negociações individuais.
Com a dispensa da homologação sindical, prevista na reforma trabalhista, o empregado tende a aceitar os termos definidos pelo empregador no momento da rescisão. “E depois, ele judicializa a questão“, disse.
PANDEMIA E NOVOS MODELOS
Durante a pandemia de covid-19, o número de novas ações trabalhistas caiu para o menor nível desde 2010.
Em 2020, foram registradas cerca de 2,5 milhões de novas ações, uma queda de mais de 18% em relação ao ano anterior.
O isolamento social, a suspensão de atividades presenciais e a dificuldade de acesso à assessoria jurídica explicam a queda para Lenzi.
Apesar disso, o período foi marcado por conflitos trabalhistas: “A sobrecarga de trabalho foi imensa. Houve demissões em massa, e quem ficou precisou absorver funções extras num momento de sofrimento psíquico intenso”, afirmou.
O home office e os novos modelos de contratação acentuaram a precarização das relações, segundo ela, com contratações via pessoa jurídica –a pejotização, “Trabalhadores que não têm autonomia, controle de horário ou meios de produção, ou seja, trabalham como empregados, mas sem o amparo da CLT”, disse.
Com o fim do vínculo, as pessoas têm recorrido à Justiça –movimento que, conforme a pesquisadora, ajuda a explicar o aumento após a volta de atividades presenciais no Judiciário.
retomada gradual
A retomada das ações começou de forma gradual. Aconteceu, em especial, após decisão do STF que restabeleceu a gratuidade plena da Justiça do Trabalho para quem comprovar insuficiência de recursos.
Questões de rescisão contratual lideram os processos trabalhistas. Segundo dados mais recentes do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), esse tipo de processo representou 12% do total de casos novos registrados em 2023. Eis a íntegra do relatório (PDF – 16 MB).
Além da rescisão, aparecem com frequência nas Varas e Tribunais Trabalhistas: disputas sobre duração da jornada, verbas remuneratórias e indenizatórias, benefícios, contrato individual de trabalho e responsabilidade civil do empregador.
Enquanto o direito eleitoral, por exemplo, concentra discussões como prestação de contas, e o direito do consumidor foca em indenizações por danos, é no campo trabalhista que se encontra o maior volume de judicialização individual.
Em 2024, o TST facilitou o acesso: trabalhadores que ganham até 40% do teto do INSS passaram a ter direito à Justiça gratuita. Já quem ganha acima ainda pode pedir gratuidade, mas deve apresentar uma declaração de pobreza justificando a situação financeira.
A mudança reduziu o risco de condenação em honorários e permitiu que milhares de trabalhadores voltassem a judicializar suas demandas.
Além disso, a digitalização dos processos e o fortalecimento do modelo remoto após a pandemia de covid-19 ampliaram o acesso à Justiça, inclusive em cidades menores ou sem varas do trabalho presenciais.
INSEGURANÇA JURÍDICA
Os dados de 2025 já mostram que o aumento na judicialização deve continuar. De janeiro a abril, já foram protocoladas mais de 1,2 milhão de ações trabalhistas novas, alta de 6,38% em relação ao mesmo período de 2024.
A decisão do STF sobre a pejotização, contudo, pode enfraquecer a Justiça do Trabalho, conforme a professora Maria Tereza Sedek, doutora em Ciência Política pela USP.
“Tem aumentado a insegurança jurídica do empresariado, porque as decisões não têm sido sempre na mesma direção“, afirma.
Ou seja, se cada juiz decide de uma forma, não dá para saber o que está valendo. A instabilidade dificulta a tomada de decisões e afeta as relações, conforme a Sedek.
O Poder360 procurou o TST por meio de e-mail para perguntar se gostaria de se manifestar sobre os dados apurados nesta reportagem. Não houve resposta até a publicação. O texto será atualizado caso uma manifestação seja enviada a este jornal digital.
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